AMAZOFUTURISMO
A ficção científica ganha o Amazofuturismo
O que é Amazofuturismo?
O amazofuturismo é um gênero da ficção científica que explora a estética do bioma amazônico aliada a tecnologias e conceitos futuristas. Nessa nova ficção científica, os povos indígenas da Amazônia são os protagonistas de sua própria história, e eles se projetam para o futuro, sem ignorar o passado e as conquistas ancestrais.
O subgênero nasceu com as artes visuais do artista João Queiroz em 2019, cujas ilustrações deram início ao movimento. Em seguida, o autor de ficção científica Rogério Pietro aperfeiçoou o conceito de amazofuturismo para a literatura e consolidou o gênero como uma expressão ficcional 100% brasileira. Desde então, outros artistas e escritores têm incorporado as ideias amazofuturistas em suas criações.
Assim como o afrofuturismo deu vida às interessantes ideias de aldeias africanas mais avançadas do que o mundo ocidental, o amazofuturismo cria um novo olhar sobre as antigas lendas de civilizações avançadas escondidas no coração da selva Amazônica. Esse olhar não é mais o do colonizador, mas o do povo originário da floresta.
De acordo com o escritor Rogério Pietro, autor do primeiro romance amazofuturista publicado, o novo subgênero é um avanço visual, estético e conceitual das lendas indígenas brasileiras. A noção de uma civilização avançada e perdida no meio da selva amazônica não é nova. O amazofuturismo lança um novo olhar sobre o conceito. Ele parte da provocação: e se os indígenas amazônicos tivessem desenvolvido uma tecnologia tão ou mais avançada do que aquela que temos hoje? O resultado é que a lenda da cidade perdida de ouro, tão antiga quanto a chegada dos colonizadores, é reescrita – dessa vez com todas as possibilidades científicas e tecnológicas que podemos imaginar.
Amazofuturismo
Existe um conceito estético inerente ao amazofuturismo. Assim como outros subgêneros da ficção científica possuem suas próprias identidades visuais, a selva, os animais e a cultura indígena se reúnem para criar uma atmosfera artística única e até então inédita.
A estética, neste caso, deve ser entendida de acordo com o conceito do filósofo alemão Alexander Baumgarten, ou seja, como um meio de conhecimento. É a estética que transmite uma mensagem, atrás da qual existe um simbolismo, que remete a uma cultura. É assim que a estética indígena deve ser entendida no amazofuturismo. Não apenas por sua aparência, mas como uma marca cultural de povos diversos e que possuem muita história para transmitir.
De fato, quando analisando o steampunk, logo vemos o visual da Era Vitoriana, engrenagens e máquinas a vapor. A mesma coisa acontece com o cyberpunk, que abusa das luzes neon, das cidades altamente tecnológicas, chuvosas e decadentes.
O amazofuturismo é feito da flora densa e exuberante da selva, do colorido das araras, do amarelo e preto da onça-pintada, das penas usadas nos cocares sagrados dos indígenas, das pinturas corporais com seus significados profundos e belos, do respeito à natureza e de tecnologias imaginárias, novas, super avançadas e limpas.
O solarpunk – outro subgênero da ficção – é o solo sobre o qual o amazofuturismo cresce. Nele, o uso de energias alternativas aos combustíveis fósseis, às hidroelétricas, termoelétricas e energia nuclear é a principal característica. Nesse ponto, ambos os subgêneros se encontram. No entanto, o amazofuturismo vai além ao incluir o pensamento indígena não antropocêntrico ao gênero da ficção. Não é apenas a energia limpa que importa, e sim todas as formas de vida, as águas, as montanhas, as pedras, o ar que respiramos e mesmo os importantes microrganismos que vivem no solo. O conceito de vida é expandido, enquanto o conceito de “recurso natural” é abandonado. Afinal, o que é vida respeitamos e preservamos, e o que é recurso natural utilizamos e exaurimos até o seu fim.
Também é importante frisar que o amazofuturismo tem em seu sangue a luta dos povos originários contra a aculturação e o apagamento histórico. Os indígenas que viviam em harmonia nesta terra antes da chegada dos colonizadores não poderiam deixar de ser um foco dentro do novo subgênero scifi.
O Amazofuturismo não é uma homenagem aos povos indígenas amazônicos. O Amazofuturismo não existe para dar voz aos povos indígenas. Sua função é dar ouvidos aos não indígenas. Por mais que essa voz, historicamente, tenha sido retirada por outros povos. O Amazofuturismo é o reconhecimento da importância dos povos indígenas, cuja cultura, sociedade e integrantes têm sido assassinados desde a chegada dos invasores de outros continentes. É a valorização de diversos povos que sofreram e sofrem massacres na tentativa de eliminá-los ou miscigená-los, reduzindo a sua importância ímpar. E esse genocídio acontece não apenas no plano físico, como vimos com o povo Yanomami, mas também no cultural e acadêmico. Toda vez que um pretenso intelectual da academia diz que o amazofuturismo também é feito por outros povos que vivem na região do Amazonas, o resultado é a diluição da importância indígena, é uma neomiscigenação forçada, cujo resultado é apagar as culturas dos diversos povos indígenas que habitam a maior floresta do mundo.
Enquanto existirem povos indígenas em risco na Amazônia, haverá o amazofuturismo falando por eles.
Os Cinco Pilares do Amazofuturismo
O amazofuturismo não é uma ficção científica que se passa na Amazônia, nem tampouco um gênero de histórias de indígenas usando internet.
Também não é ficção científica escrita por pessoas que vivem na Região Norte do Brasil, região, aliás, bem rica de literatura de ficção de excelente qualidade.
Esses conceitos seriam banais demais para demarcar um novo subgênero artístico. Portanto, é necessário estabelecer padrões que o definem, evitando que um novo conceito artístico se perca por falta de coesão ou por interesses regionalistas inconcebíveis.
Muitas obras de qualidade, escritas por pessoas talentosas, falaram da Amazônia, dos seus povos, do folclore, das fantasias e até mesmo da ficção científica. Porém, apesar da importância dessas obras dentro do contexto literário e social brasileiro, nem todas podem ser consideradas amazofuturismo.
Um novo gênero ou subgênero literário precisa ter definições, pois a ausência deles leva a conceitos tão difusos que podem matar um novo movimento antes mesmo de ele crescer.
Propomos abaixo Cinco Pilares fundamentais que definem o que é o amazofuturismo, não como um manifesto, coisa que este site jamais se propôs a ser, mas como um Norte para aqueles que querem entender os alcances e os limites do subgênero dentro da literatura. Além disso, os Cinco Pilares são uma proposta de visão, e não uma imposição de um conceito. E, como tal, eles podem mudar, se adaptar e se aperfeiçoar ao longo do tempo, sempre contando com a presença e o apoio de quem cria conteúdos amazofuturistas. Portanto, para que uma obra artística literária seja considerada amazofuturista, de acordo com essa sugestão, ela precisa respeitar e se enquadrar nesses pilares.
PRIMEIRO PILAR
Os indígenas, a etnia ou o povo representado, seja real ou fictício, deve ser do bioma Amazônico.
Os verdadeiros povos originários da região Amazônica são os povos indígenas que já se encontravam lá antes da chegada de invasores, colonizadores, povos escravizados trazidos de outros continentes ou, ainda, imigrantes. Obras de arte futuristas sobre povos indígenas de outras localidades que não sejam a selva amazônica podem receber novas denominações. Da mesma maneira, povos quilombolas, ribeirinhos e outros que habitam a região já possuem sua própria representatividade dentro da ficção científica ou novos subgêneros literários podem ser criados para eles.
SEGUNDO PILAR
A tecnologia indígena deve ser inovadora e única.
O simples fato de dar aos personagens telefones celulares ou computadores não caracteriza o amazofuturismo, assim como uma ficção científica que se passa na Amazônia, por si só não define o amazofuturismo. Pelo contrário, o uso de tecnologias tipicamente usadas por outros povos seria apenas uma descaracterização da cultura indígena originária, que se baseia no uso de recursos naturais de forma consciente e não predatória, o que é muito diferente da cadeia produtiva tecnológica ocidental/oriental. Um indígena não deixa de ser indígena e pertencer a um povo pelo simples fato de usar aparelhos celulares ou computadores conectados com a internet, mas o amazofuturismo é um gênero literário que se propõe a ser ficção baseada em conhecimentos e tecnologias ancestrais.
TERCEIRO PILAR
Os avanços tecnológicos devem estar em harmonia com o meio ambiente.
Este pilar é uma consequência do Segundo, e explica a razão para que a simples presença de tecnologia ociendetal/oriental em obras literárias que se passam na região amazônica não serem consideradas amazofuturistas. A sociedade indígena amazofuturista deve ser utópica, voltada para o bem-estar dos habitantes e sempre respeitar a selva e os animais, espelhando a própria cultura indígena de todos os povos e tempos. Se uma sociedade indígena amazônica for retratada com um olhar distópico, em que o meio ambiente e a sociedade foram degradados, então o termo amazofuturismo não pode ser usado. Esse tipo de visão talvez pudesse ser chamado de “amazopunk”, o que não é o objetivo do novo subgênero da ficção científica.
QUARTO PILAR
As histórias devem ser contadas do ponto de vista dos personagens indígenas.
Eles são os povos originários que já viviam na selva Amazônica muito antes da chegada dos outros povos e raças que passaram a viver na região, e não mais do ponto de vista do personagem explorador/colonizador que se deslumbra ao encontrar uma cidade maravilhosa no seio da selva amazônica, ou seja, fugindo à visão exótica e estereotipada de mundos pedidos, o que pode acontecer quando o ponto de vista não é o do indígena. Por outro lado, as histórias amazofuturistas não precisam ter autoria exclusiva de escritores ou roteiristas indígenas ou amazonenses, porque é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. O amazofuturismo vem para unir os povos num ideal estético e conceitual, e não promover a segregação racial.
QUINTO PILAR
O amazofuturismo não é sobre pessoas.
O amazofuturismo é sobre Vida. Vida em todas as suas formas e expressões. As pessoas são importantes, tão quanto os animais, os vegetais e até mesmo a vida microbiana. Pensar dessa forma é seguir a cultura e o modo de ver o mundo dos próprios indígenas, os povos originários da Amazônia. Pensar diferente disso é se apoiar no antropocentrismo, ou seja, a doutrina que crê que os humanos são o centro de tudo e apenas eles importam. A doutrina antropocentrista é totalmente contrária à crença da maioria dos povos indígenas e, portanto, deve ser descartada no amazofuturismo. Portanto, para o amazofuturismo, o ambiente, a mata, as árvores, os rios, as pedras, os animais, os insetos, os fungos e tudo mais são o foco e o centro do protagonismo, assim como são as crenças e as cosmologias indígenas. Ainda que os povos indígenas amazônicos sejam os protagonistas naturais das histórias amazofuturistas, eles são vistos como parte da vida na floresta, e não o foco único.
EXPRESSÕES ARTÍSTICAS
As expressões artísticas dessa nova categoria de ficção científica devem valorizar a beleza e a riqueza da cultura indígena da selva amazônica. As diferentes etnias devem ser tratadas com respeito, representadas no que existe de melhor nelas, valorizando a bravura, as crenças e a liberdade.
No entanto, o amazofuturismo não é um espelho da cultura indígena. Em outras palavras, a cultura indígena é uma coisa (pertencente a vários povos originários, estudada por antropólogos e historiadores), enquanto o amazofuturismo é outra coisa (um conceito estético dentro da ficção científica).
O amazofuturismo é a combinação perfeita entre a natureza e os avanços tecnológicos e científicos.
A voz do indígena Cristino Wapichana
O autor de livros infantis escreveu o prefácio de Amazofuturismo 2: Primavera Ancestral.
“Então, recomendo a leitura deste livro tão atual e tão necessário para que toda a humanidade – esta única humanidade – respeite a si mesma, e que possa usar a sabedoria de cada nação para ajudar a preservar nosso único planeta.”
CRISTINO WAPICHANA
CRISTINO WAPICHANA é escritor, músico, compositor, cineasta e contador de histórias. Patrono da Cadeira 146 da Academia de Letras dos Professores (APL) da Cidade de São Paulo.
É autor do livro A Boca da Noite, traduzido para o dinamarquês e sueco, este vencedor da Estrela de Prata do Prêmio Peter Pan 2018, do International Board on Books for Young People (IBBY). Escritor brasileiro escolhido pela Seção IBBY Brasil para figurar a Lista de Honra do IBBY 2018: Prêmio FNLIJ 2017 nas categorias Criança e Melhor Ilustração. Prêmio Jabuti 2017.
Finalista do Prêmio Jabuti 2019. Selo White Revens – Biblioteca de Munique – 2017. Medalha da Paz – Mahatma Gandhi 2014. Livros selecionados para o clube de leitura da ONU 2021. Selo cátedra 10 da UNESCO PUC Rio 2022.