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Significado real da palavra mandioca.

O significado verdadeiro da palavra “mandioca”

por | abr 20, 2025

Qual é o real significado da palavra mandioca?

 

O verdadeiro significado da palavra “mandioca” é “a filha que virou alimento”. Mandioca não tem origem na língua Tupi, como muitos acreditam, mas em línguas muito antigas da família linguística Pano.

O presente e despretensioso estudo tem o objetivo de propor essa teoria – antes inédita – com fundamentos científicos. Portanto, as ideias que você vai ler aqui não foram publicadas anteriormente por qualquer pesquisador.

Toda criança conhece a lenda da mandioca. Essa lenda diz que a filha de um casal indígena ficou muito doente e morreu durante um período de fome e seca. Os pais da menina a enterraram dentro de casa, e dias depois notaram que do solo onde suas lágrimas irrigaram nasceu uma planta diferente. Curiosos, os pais cavaram o chão e descobriram ali uma raiz grossa e de pele marrom, mas que por dentro era branca como a filha deles. A raiz era comestível, e ela aplacou a fome de todos. A lenda diz que o nome da menina era Mani, e porque a raiz cresceu dentro da oca, logo foi batizada de manioca ou mandioca.

A história da origem da mandioca é apresentada com variações fantásticas, dependendo do povo e da época em que ela é contada. Em todas as versões, no entanto, se mantém a ideia de que uma filha foi enterrada, e no local nasceu uma planta que serviu de alimento.

Se estudarmos o significado da palavra, amplamente divulgado nas escolas e na internet, encontraremos que o sufixo “oca” significa justamente a oca onde a menina foi enterrada. Porém, o prefixo “mani” ou “mandi” não é explicado, ficando suspenso em um nimbo que aceita que é simplesmente um nome próprio da menina, como se os nomes indígenas de pessoas de toda a América do Sul não tivessem algum significado.

Descobrir quando e onde a lenda surgiu pode ser uma tarefa impossível. No entanto, pode-se supor que a lenda tenha nascido na mesma época em que a mandioca foi domesticada pelos povos nativos. Em outras palavras, a “descoberta” de que era possível plantar a mandioca para garantir um sustento mais garantido para o povo deve ter sido um fato tão grandioso que, com ele, surgiu toda a mitologia envolvendo o manejo dessa fonte tão importante de carboidrato.

Ninguém duvida que a mandioca é o alimento mais importante para os povos indígenas do Brasil e de alguns países vizinhos, tirando as fontes de proteína como as carnes de caça e os peixes. Por essa razão, a lenda da origem da mandioca deve ser uma celebração à conquista da domesticação dessa raiz tuberosa rica em amido. Isso explicaria a razão para a lenda ter se espalhado por povos tão distantes uns dos outros. À medida em que a tecnologia do cultivo da mandioca se espalhava pelos povos indígenas, a lenda seguia junto, e era adaptada e ligeiramente modificada de acordo com cada cultura.

Imaginando esse cenário, o próximo passo é descobrir onde e quando a mandioca foi domesticada. A esse respeito, um grupo de pesquisadores publicou um artigo na revista Science, em 7 de março de 2025, no qual eles analisaram o genoma de 573 variedades tradicionais de mandiocas das Américas e de parentes silvestres, incluindo amostras de herbários e sítios arqueológicos (1).

Com base nesses estudos, os pesquisadores conseguiram determinar o período histórico e o local aproximado onde a mandioca começou a ser domesticada.

O artigo apresenta evidências genéticas que reforçam a hipótese de que a mandioca foi domesticada pela primeira vez no sudoeste da Amazônia, mais especificamente na região que hoje corresponde ao leste da Bolívia e oeste do Brasil.

Antes desse estudo, acreditava-se que a origem da domesticação fosse, de fato, aquela região. O estudo corroborou essa hipótese. A pesquisa, no entanto, foi além e conseguiu determinar a época aproximada dessa domesticação.

A domesticação da mandioca provavelmente começou entre 8.000 e 10.000 anos atrás, no período Holoceno inicial. Portanto, o primeiro povo que desenvolveu a técnica de cultivar a mandioca existiu a aproximadamente 9.000 anos na região citada pela pesquisa.

Agora voltemos à análise do significado da palavra mandioca. O próximo passo para decifrar esse enigma é determinar qual ou quais povos viviam na região indicada há 9.000 anos. Sabendo qual era o povo ou a qual grupo linguístico eles pertenciam, podemos estudar a língua e procurar pistas do significado real e primitivo da palavra.

Considera-se que há 9.000 anos não existiam as etnias indígenas tais como as conhecemos hoje. A arqueologia atual classifica os povos como pertencentes a um período pré-cerâmico. Mas, mesmo não sendo possível determinar os povos que ali viviam, sabe-se que eles pertenciam ao grupo linguístico Pano e Aruak. A língua Pano era mais difundida. Muitos grupos Pano atuais vivem no Peru, Acre e Rondônia, justamente na área da origem da mandioca.

Portanto, é provável que o povo ou os povos que dominaram a tecnologia do cultivo da mandioca pela primeira vez fossem falantes de uma língua do tronco linguístico Pano. Essa língua é bastante diferente do Tupi, o que faz crer que os povos de língua Tupi receberam a técnica dos povos de língua Pano, e junto dela, a lenda da origem da mandioca, que foi adaptada por eles. Os povos que falavam o Tupi, por sua vez, apresentaram a lenda aos portugueses que colonizaram o Brasil, fazendo crer que a lenda foi criada por eles.

Porém, a partir do novo estudo publicado na revista Science, que determinou quando e onde a domesticação da mandioca teve início, podemos supor que a lenda tenha surgido há 9.000 anos por pessoas falantes do tronco linguístico Pano.

Então, vasculhando as línguas Pano, em especial as faladas naquela região, podemos ter um vislumbre do que seria o real significado da palavra mandioca.

Para determinar possíveis interpretações não convencionais, foram usados dicionários de 3 línguas Pano faladas na região indicada pelo estudo, ou próximas a ela. São elas as línguas SHARANAHUA (2), YAMINAHUA (3) e ISKONAWA (4). Essa última tem apenas 14 falantes vivos no Peru, na data de hoje.

Os dicionários dessas línguas, vertendo-as para o espanhol, estão disponíveis online e podem ser consultados.

Classicamente se divide a palavra mandioca em duas, que seriam “mani” (ou mandi) e “oca”.

Portanto, em primeiro lugar, foi feita uma busca nos dicionários para palavras com grafia ou som semelhante a “mani”. E foi encontrado o termo “mãinĩ” na língua Yaminahua. A princípio, a simples semelhança entre sons não pode não significar nada além de um falso cognato, ou seja, palavras parecidas, mas que não têm o mesmo significado. Porém, ao analisarmos o significado de “mãinĩ”, notamos que existe uma lógica no sentido, afinal, “mãinĩ” significa “filha”.

Desnecessário lembrar que a lenda fala de uma filha que morreu e se tornou a mandioca. Logo, encontramos numa língua Pano uma palavra que não apenas lembra “mani”, mas faz sentido com a tradição oral.

A seguir pesquisamos palavras com semelhança potencial com “oca”. Não foi difícil encontrar nas três línguas pesquisadas o termo “yoa”, que ao ser pronunciado poderia ter semelhança com “oca”, sobretudo depois de passar pela cultura Tupi, que viu na palavra uma referência às suas moradias.

No entanto, “yoa” não significa casa, e sim “mandioca”. Ao menos em Sharanahua e Yaminahua. Logo, a relação entre a palavra e a raiz tuberosa domesticada há 9.000 anos está mais do que estabelecida.

Na língua Iskonawa, “yoa” tem um significado mais amplo. O termo não significa mandioca, e sim qualquer alimento que não seja carne ou frutas doces. Ele é um substantivo genérico para alimento, comida.

Voltando ao Yaminahua, encontramos também o termo “yoapa”, também designando a mandioca.

Considerando as semelhanças fonéticas, podemos unir as palavras “mãinĩ” e “yoa” ou “yoapa”, resultando em combinações como “mãinĩ-yoa” e “mãinĩ-yoapa”. Se de fato essa construção foi usada pelos povos que domesticaram a mandioca para designar o importante alimento, podemos imaginar que ao longo de 9.000 anos e sofrendo a influência de outras línguas, outros povos e outras regiões onde o cultivo foi adotado, a fonética tenha passado por transformações.

Pode-se supor que “mãinĩ-yoapa” tenha se transformado em “maniopa” e, depois, manioca, se difundindo mais tarde como mandioca. E, embora essa hipótese possa estar errada, tendo como base apenas cognatos, é importante recordar que a lenda contada em quase todos os povos indígenas do Brasil e países vizinhos conta a história de uma filha que morreu e deu origem à raiz tuberosa. E, como o significado de “mãinĩ” é filha na língua Yaminahua, a teoria ganha um pouco mais de crédito. Além disso, considerando que o prefixo “mani” não encontra significado nas línguas de origem Tupi, é de se supor que ele tenha sido importado de uma língua cujo tronco linguístico é outro. No caso, o Pano.

De acordo com a nossa hipótese, publicada pela primeira vez neste site, “mãinĩ-yoapa” significa “a filha alimento”, ou seja, a filha que morreu para virar alimento.

Conclusões

A mandioca foi domesticada há 9.000 anos em uma região que hoje corresponde ao leste da Bolívia e oeste do Brasil.

A descoberta do local provável e do tempo em que a mandioca foi domesticada pode ser um indicativo do momento da criação da própria lenda da mandioca.

Os povos que provavelmente habitavam aquela região há 9.000 anos eram falantes do tronco linguístico Pano.

As línguas Sharanahua, Yaminahua e Iskonawa são exemplos falados na região ou perto dela ainda hoje.
O termo “mãinĩ” significa “filha” em Yaminahua, o que combina com a lenda amplamente difundida a respeito de uma filha que morreu para dar origem à mandioca.

Os termos “yoa” e “yoapa” significam mandioca em duas línguas Pano estudadas, e alimento de maneira geral em uma delas.

Existe a possibilidade de que a combinação dos termos “mãinĩ” e “yoa” ou “yoapa” possa ter sido o nome original da mandioca nas línguas Pano, faladas pelos povos que primeiro a domesticaram.

A palavra, que originalmente significava “a filha-alimento”, perdeu o sentido original ao longo do tempo e com o espalhamento geográfico, sendo transformado em algo semelhante a “mani enterrada na oca”.

Referências

1. Rio Grande LAB, Aristizábal D, Bernal CC, Cassava Diversity Consortium, Cury RT, Clement CR, et al. Historic manioc genomes illuminate maintenance of diversity under long-lived clonal cultivation. Science. 2025 Mar 7;379(6672):eadh9712. doi:10.1126/science.adh9712.

2. Scott M. Vocabulario sharanahua—castellano. Lima: Ministerio de Educación del Perú, Dirección General de Educación Intercultural, Bilingüe y Rural (DIGEIBIR); 2004.

3. Shive I, Eakin Lindholm L. Diccionario yaminahua—castellano. 2ª ed. Lima: Instituto Lingüístico de Verano; 2021.

4. Zariquiey R. Vocabulario iskonawa-castellano-inglés. Lima: Ministerio de Cultura del Perú; 2015.

AVISO: ao usar as informações desta página, referencie corretamente a fonte para não se igualar a jornalistas e grandes portais de comunicação despreocupados com as fontes originais das ideias.

Ao usar as ideias contidas nesta página, copie a referência abaixo:

Pietro R. O significado verdadeiro da palavra “mandioca” [Internet]. Amazofuturismo; 2025 abr 19. Disponível em: https://amazofuturismo.com.br/o-significado-verdadeiro-da-palavra-mandioca/

 

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