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Artigos sobre Amazofuturismo

Amazofuturismo contra apagamento indígena

O Amazofuturismo versus o apagamento indígena

por | nov 7, 2022

Amazofuturismo versus o apagamento indígena

surgimento do novo subgênero da ficção científica marca o início de uma luta, o amazofuturismo versus o apagamento indígena. O amazofuturismo é contrário ao apagamento indígena cultural. Desde o seu início, com as ilustrações amazofuturistas e com o lançamento do livro Amazofuturismo em 2021, o novo subgênero da ficção científica foi focado nas estéticas e nas culturas dos povos indígenas amazônicos. Antes disso, a representatividade desses povos simplesmente não existia na literatura de ficção científica. A ausência de trabalhos de FC contemplando o protagonismo desses povos pode ser entendida como um reflexo do próprio apagamento histórico que eles sofreram desde o início do choque cultural desencadeado nos primeiros contatos entre eles e os brancos vindos de Portugal e Espanha.

Ao longo dos séculos, a dominação branca e a ocupação das terras indígenas – que eram praticamente todo o território hoje conhecido como Brasil e outros países vizinhos, fez com que esses povos fossem reduzidos em número, e que fossem afastados cada vez mais de sua terra original. A obsessão dos colonizadores por terras, madeira, ouro e poder fez com que muitos desses povos fossem dizimados e completamente apagados da história. Como exemplo, temos os Cataguases. Eles habitavam a região hoje conhecida como Minas Gerais, e que foram apagados da história a ponto de não termos certeza nem da língua que eles falavam.

Mais recentemente em nossa história, o apagamento se deu por meio cultural. As escolas ensinaram que os indígenas (vulgar e erroneamente chamados de “índios”) já não existiam mais. Ensinavam que apenas seus descendentes, sempre misturados a outras etnias, viviam no ambiente urbano ou rural, longe de suas raízes culturais. No período em que essa visão foi ensinada às crianças brasileiras, o objetivo do Estado era apagar completamente os povos indígenas no contexto cultural. A ideia era gerar a falsa ideia de que esses povos pertenciam apenas aos livros de história. Com isso, construíram no imaginário popular a ilusão de que um indígena vivendo entre os brancos já não era mais indígena. Nos bastidores desse apagamento cultural estava o desejo de políticos e poderosos de se apoderarem das terras que ainda pertenciam aos povos indígenas que resistiram à dominação física e social imposta a eles.

Em outras palavras, apagar os povos indígenas sempre foi, desde a época dos invasores europeus, um desejo de conquista das terras e das riquezas que existem ou que podem ser cultivadas nela. Afinal, se não existem mais povos indígenas, não existem também a necessidade de demarcação de terras, de atender as reivindicações deles ou de protegê-los contra o garimpo que destrói rios, nem contra o desmatamento que retira deles o alimento.

Esse apagamento continua ainda hoje na forma de missionários que subvertem a cultura e as crenças indígenas para impor religiões expansionistas que buscam acima de tudo o poder. E continua também no próprio meio acadêmico e cultural, quando este procura diluir a importância dos povos indígenas amazônicos com outros povos que vivem no estado do Amazonas. Em outras palavras, o apagamento continua, de forma sutil e – muitas vezes – não intencional. Porém, com os mesmos resultados nocivos para os povos originários, aqueles que estavam aqui antes do ano 1500.

A esse respeito, um artigo de opinião intitulado “De onde vem e para onde vai o Amazofuturismo?” traz uma visão colonialista sobre um movimento que ele tenta, com boas intenções, defender.

A visão de que o Amazofuturismo ainda está se consolidando na literatura tem o objetivo de diminuir a importância dos livros já publicados a respeito. Como se eles fossem imperfeitos ou que haveria a necessidade de uma mudança nos rumos, mudanças essas que atenderiam justamente a uma visão colonial sobre os povos indígenas amazônicos. Essa visão, como já dissemos, visa diluir a importância desses povos, misturando-os aos caboclos, quilombolas, aos ribeirinhos, islâmicos, japoneses, entre outros.

(Aliás, quem leu os livros de verdade sabe de onde veio e para onde o amazofuturismo vai.) O amazofuturismo versus o apagamento indígena.

Em outras palavras, as tentativas de forçar o amazofuturismo a se tornar um movimento de todos os povos e raças que vivem na região amazônica causam, como uma consequência inevitável, o apagamento histórico dos povos indígenas, mais uma vez.

Por melhores que sejam as intenções de quem defende um amazofuturismo centrado nos moradores do estado do Amazonas, o resultado final é sempre – e de novo – o apagamento dos povos originários, os indígenas, que talvez não possam ter a chance de ter um subgênero da ficção científica focado neles, como os negros o têm no afrofuturismo.

Aliás, uma boa analogia seria querer que o afrofuturismo, centrado nos povos africanos e em suas diásporas, tivesse foco também para os brancos, os judeus, os chineses, trazendo as culturas muito ricas de todos os povos para dentro do afrofuturismo, sob a desculpa da pluralidade. Não precisamos ir muito longe para entender que tal sugestão descaracterizaria o afrofuturismo, diluindo a importância das culturas negras nele, e promovendo o seu apagamento.

O mesmo pode ser dito do amazofuturismo. O único movimento artístico dentro da ficção científica focado na cultura indígena dos povos amazônicos tem sofrido ataques vindos de todas as partes, inclusive de quem deveria defendê-lo, a academia.

Menosprezar os Cinco Pilares do Amazofuturismo é a principal forma de reduzir o novo gênero a algo que não tem importância, não tem valor, não tem limites claros e, sendo assim, está misturado a outras coisas. Argumento semelhante àquele usado nas escolas, para ensinar as crianças que os indígenas já não existem, e que os descendentes deles estariam miscigenados ao “povo brasileiro”, completando assim o ciclo de apagamento desses povos.

Além da questão de retirar o protagonismo indígena do amazofuturismo, outro problema de menosprezar os Cinco Pilares enquanto proposta válida para o subgênero é romper os limites do que é e do que não é o amazofuturismo.

Quando se ignora que o primeiro Pilar sugere que os protagonistas sejam os indígenas da região amazônica, abre-se espaço para livros de ficção que dificilmente poderiam ser chamados de amazofuturismo. O enfoque em outras etnias faria com que o amazofuturismo perdesse sua essência primordialmente indígena. Assim, qualquer história de ficção passada em Manaus seria amazofuturista, de acordo com a visão de alguns acadêmicos. Histórias de quilombolas da Amazônia também fariam parte do novo subgênero, trazendo problemas com o próprio afrofuturismo, que é o subgênero capaz de resgatar e valorizar esses povos tão nobres e importantes para a cultura da região.

Dizer que a simples presença de tecnologias, como radio transistores, por exemplo, enquadraria uma ficção como ficção científica é desconhecer os próprios fundamentos do que é ficção científica. A ficção científica explora a influência da Ciência e da tecnologia no indivíduo e no coletivo, não se limitando a histórias que contenham tecnologias, aliás, bem ultrapassadas. No entanto, o conceito de ficção científica pode ser solapado quando o interesse é diluir a importância do amazofuturismo a quase nada. É nesse sentido que entra o Segundo Pilar do amazofuturismo, que diz que a tecnologia deve ser inovadora, ficcional ou não. E em momento algum o amazofuturismo diz que indígenas usando celular ou internet deixam de ser indígenas, o que é uma visão colonialista de apagamento histórico, mas que alguém poderia tentar incutir ao amazofuturismo tal visão, a fim de diminuí-lo.

O Terceiro Pilar do amazofuturismo é bastante crítico. Ele funciona como um facão de corte separando as obras amazofuturistas de outras que nada têm a ver com o subgênero. De acordo com ele, não basta ser uma ficção científica que se passa na região amazônica, assim como não basta haver alguma tecnologia ou aspecto da Ciência em histórias envolvendo indígenas. Um aspecto importantíssimo dos enredos amazofuturistas, aspecto esse indissociável do subgênero, é que essas tecnologias devem conter um aspecto ambientalista. Considerando que o solarpunk é uma das raízes que deram origem ao amazofuturismo, e que o solarpunk tem a preocupação com o meio-ambiente como uma de suas pernas, o amazofuturismo deve seguir esse aspecto e propor tecnologias que não agridem a Natureza. Mais do que isso, essas tecnologias devem ser sustentáveis e integradas com a fauna e a flora, respeitando a visão indígena do uso de recursos naturais.

Quando o Terceiro Pilar, com toda a sua lógica, é respeitado, o número de obras verdadeiramente amazofuturistas cai vertiginosamente, excluindo as fantasias, os folclores, as tecnologias sem relação alguma com o preservacionismo ambiental, e sobretudo aquelas que não podem ser consideradas ficção científica sem a ajuda de muita ginástica gramatical.

O Quarto Pilar tem uma relação profunda com a valorização dos povos indígenas amazônicos, pois considera que eles são os protagonistas dessas histórias, finalmente ganhando alguma relevância na cultura brasileira e tendo seu espaço garantido na ficção científica, assim como os negros têm no afrofuturismo. Querer tirar esse protagonismo exclusivo deles é favorecer o apagamento histórico que eles sofrem desde a chegada dos invasores colonizadores europeus.

Já o Quinto Pilar, criado por meio da demanda evolutiva pela qual o amazofuturismo deve passar, traz a riqueza do meio-ambiente para o subgênero. De acordo com a visão dos povos indígenas, o homem não é o centro de tudo. Tudo é vida e tudo é vivo. Então, é lógico pensar que todas as formas de vida importam, mesmo tendo os povos indígenas como protagonistas humanos principais e centrais.

Considerando, portanto, os Cinco Pilares do amazofuturismo, fica mais claro entender as razões pelas quais lutamos: valorizar os povos indígenas que sempre foram vítimas de agressões físicas, sociais e, atualmente, culturais. Proteger o amazofuturismo e seus Cinco Pilares é proteger esses povos conta o apagamento cultural que vem sendo imposto em nome de um regionalismo sectário, que busca defender uma falsa pluralidade cultural, e que acaba cometendo apenas os mesmos abusos históricos observados desde o ano 1500. Um desses abusos é fazer os povos indígenas desaparecerem pela miscigenação com o “povo brasileiro”.

O amazofuturismo cria conteúdos amazofuturistas em prol da valorização dos povos indígenas amazônicos, por isso todo artista e intelectual deve lutar para que o amazofuturismo não se torne uma gritaria dentro da qual a voz indígena se torna apagada.


Conheça aqui a lista de livros e publicações que atendem aos requisitos para serem considerados amazofuturistas.

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